terça-feira, 16 de novembro de 2010

A admissão médica num clube de futebol

Todo ano uma das maiores expectativas que vivemos é a contratação de novos jogadores. Ano novo, vida nova, sempre a esperança de um time melhor e mais competitivo. A imprensa noticia que “só faltam os exames medicos” mas pouca gente tem noção de como é feito esse processo de admissão do ponto de vista médico. Mais ainda os torcedores muitas vezes criticam o DM acusando de ter admitido um jogador sem condições.

Para isso é necessário irmos ao dicionário e verificar que "vetar" significa "proibir". De uma forma objetiva o veto de fato só ocorre quando o atleta apresenta alguma patologia que o coloque em risco de vida ou invalidez. Se essas condições são detectadas pelo médico, ele tem obrigação de vetar de fato e direito a contratação do jogador , mesmo que isso custe seu emprego. Para conhecimento de todos um contrato de um jogador de futebol é assinado pelo próprio, pelo presidente do clube e pelo médico.

As demais alterações que o atleta tenha apresentado no passado ou até no presente não indicam o veto. A responsabilidade da contratação é da direção do clube no entanto o médico adverte as condições desse atleta e seu passado do ponto de vista de contusões, cirurgias e alterações comportamentais. Mas se a direção do clube definir em contratar ela assume o ônus e responsabilidade sobre os eventuais insucessos. Citicar o D Médico por um jogador que rende pouco e se lesiona com facilidade é completamente equivocado do momento que a direção sempre é advertida sobre risco x benefício .

Quando o médico é comunicado sobre a eventual chegada de um novo atleta é feita uma pesquisa ampla sobre as condições e problemas passados. Quando o atleta vem em atividade no país, fazemos um levantamento usando inclusive as súmulas do site da CBF para termos a noção exata de como foi a produtividade recente. Mais ainda os medicos dos clubes hoje estão bastante organizados e fortificados trabalhando sempre em conjunto. Isso quer dizer que é feito um contato telefônico e a ficha do jogador é passada de clube para clube dessa forma deixando os médicos bastante alertas sobre o que esperar de um determinado atleta.

O exame admissional é composto de avaliação clínica, ortopédica, exames cardiovasculares e quando há necessidade complementamos com exames específicos. Por exemplo, todo jogador que tenha no passado operado o joelho, sera submetido a radiografias e ressonância magnética para análise das condições atualizadas da articulação. No exame clínico e ortopédico cada região do corpo é examinada sendo obviamente dado ênfase as articulações que mais sofrem no futebol como joelho e tornozelo. O exame da região pubiana é outro que merece muitas vezes análise por imagem. É importante lembrar que todo diagnóstico médico é clínico sendo a imagem apenas complementar. No futebol virou moda fazer ressonância magnética para tudo, induzindo a uma série de equívocos na análise de determinadas situações.

Para análise do coração são realizados um teste ergométrico e um ecocardiograma. Com esses exames podemos diagnosticar um grande número de alterações capazes de colocar em risco a saúde do atleta como arritmias, cadíacas e doenças da parede muscular ( miocárdio ). Quando se suspeita de isquemia cardíaca ( falta se oxigenação) se complementa com uma cintilografia do miocárdio. Fica óbvio que o exame realizado é sério e jamais pode ser banalizado.

Podemos , de acordo com cada caso, complementar com exames de sangue, urina, radiografias assim como sempre orientar o atleta a ter sua saúde bucal em boas condições. Tendo sido aprovado na parte médica o atleta passará pela avaliação fisiológica e nutricional para aí sim iniciar seus treinamentos.

O Departamento Médico é um dos pontos mais frágeis do Departamento de Futebol e como sempre digo, esquecido quando é para se dar algo e lembrado para se cobrar. Nos últimos anos todos exames cardíacos admissionais foram realizados de forma gratuita e agradeço por isso a Pro-Echo que em nome da relação que sempre tivemos no Hospital Samaritano , sempre executou os exames de forma imediata e sem qualquer custo ( dado esse desconhecido pela direção ). Em especial agradeço a Dra Mônica Alcântara, grande médica e tricolor.

Recentemente passei a registrar em cartório os exames admissionais e as recomendações dadas pelo Departamento Médico sobre as contratações para evitar que se colocassem na conta dos medicos eventuais contratações de risco. Dessa forma teria um documento com uma data mostrando exatamente as recomendações referentes a saúde , passado e riscos .

Apesar de um tópico longo acho fundamental as pessoas interessadas terem a noção de que o exame admissional é sério e sempre bem fundamentado mas que as responsabilidades dos medicos , salvo em condições de risco graves, vai até esse ponto.


Saudações Tricolores com muita fé no título do Campeonato Brasileiro de 2010!


Michael Simoni.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

O Departamento Médico de um clube de futebol II

O dia a dia dos membros do departamento médico é muito mais amplo e agitado do que a maioria das pessoas pode imaginar. O número de atendimentos médicos é alto já que além das contusões do esporte, temos que tratar as situações clínicas inerentes ao ser humano. Gripes, problemas intestinais, dermatológicos, alérgicos são talvez as situações não ortopédicas mais frequentes nos atletas. No entanto, a gama de medicações se torna mais restritas já que existem inúmeras medicações não permitidas pela Comissão de Controle de Doping da CBF.

Ser associado a um plano de saúde (no caso do Fluminense, a Unimed) é fundamental por nos oferecer de forma rápida acesso a exames de imagem, hospitais e especialistas de diversas áreas da medicina de forma dinâmica sem espera. Nesse momento não posso deixar de agradecer em especial ao Dr. Alexandre Filippo, grande tricolor e dermatologista conceituado, que sempre atendeu de forma imediata nossos atletas e ao Dr. João Marcos Cavalcanti Filho, dentista fanaticamente tricolor, que sempre se dispôs, independentemente de horário, a atender nossos atletas.

Chegando ao clube sempre antes do horário de treinamentos, os atletas lesionados iniciam seus tratamentos. O fisioterapeuta e o médico presentes, normalmente com uma hora de antecedência, fazem as suas avaliações diárias na maioria das vezes em dois períodos. O DM é o único que funciona por motivos óbvios de forma ininterrupta sete dias por semana. Frequentemente o fisioterapeuta complementa tratamentos no próprio domicílio do atleta até de noite. Os atletas são igualmente orientados dia a dia sobre os cuidados necessários em casa para acelerar a cura das lesões. Boa alimentação sempre bem orientada pela nutricionista e repouso com noites bem dormidas são igualmente cruciais para a recuperação. No caso do Fluminense, a alimentação é muito bem orientada pela competente Dra. Renata Faro, que convive de forma intensa o dia a dia do clube e dos atletas.

Quando um atleta está machucado, tem sua lesão avaliada clinicamente e quando necessária complementada por um exame de imagem como a ressonância nuclear magnética , radiografias e ultrassom. A partir de um diagnóstico é feita uma programação objetivando a cura e entrega do atleta a preparação física. Essa programação pode ser modificada dia a dia de acordo com a resposta dos jogadores ao tratamento. Como qualquer paciente o limiar de dores dos atletas varia assim como o tempo de recuperação . Vejo frequentemente na midia ou entre os torcedores comparações sobre recuperação de jogadores. Me desculpem os que cometem esse equívoco mas é impossível comparações dessa natureza. Elas contrariam conceitos básicos da saúde ( esse assunto será aprofundado em outra oportunidade).

Do momento que o atleta está clinicamente recuperado, tendo cumprido todas as etapas da fisioterapia, ele é entregue à preparação física, responsável pelo retorno às condições físicas ideais e liberação para o treinador poder escalar o jogador. As relações entre o DM e Preparação Física muitas vezes esbarra nas pressões, na pressa ou no receio de liberar um jogador e na ansiedade que pode ocorrer com alguns profissionais envolvidos. O jogador tem nesse momento grande responsabilidade em definir seus sintomas e se está em condições de progredir no trabalho proposto. Lembro que o conceito de cura clínica em qualquer doença passa pelo desaparecimento dos sinais e sintomas e isso somente pode ser definido pelo paciente. Quando a relação DM-Preparação Física-jogador é quebrada os prejudicados são o clube e, consequentemente, a torcida.

Na próxima semana abordarei dois assuntos: como é feita a admissão de um atleta para um clube, assunto extremamente delicado e mal avaliado pela maioria das pessoas, e como é o dia do jogo para os membros do DM.


Saudações Tricolores com muita fé no título do Campeonato Brasileiro de 2010!

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Washington: palmas para um vencedor


Tinha definido uma sequência para os assuntos que iria abordar no blog, onde o objetivo inicial é esclarecer o funcionamento de um Departamento Médico e abordar os problemas do dia a dia. No entanto, uma cena no jogo contra o Grêmio me fez mudar a temática desse post. Que todos sabem que o Conca é um craque isso é óbvio, mas talvez não saibam o significado do seu gesto ao deferir ao Washington o seu segundo gol na partida.

Em 2008, quando Washington foi contratado pelo Fluminense, eu como médico, obviamente conhecedor dos problemas enfrentados pelo jogador no passado, fiz minha usual investigação. Caramba. um jogador portador de diabetes mellitus tipo I (insulino-dependente) com história de isquemia cardíaca, colocação de 1 stent (estrutra metálica que mantém as artérias coronárias dilatadas) e posteriormente mais 2 stents, necessitando de dois tipos de insulina além de um anti-agregante plaquetário (medicação que diminui a velocidade de coagulação do sangue)??? Será que com tudo isso dá para jogar futebol ? Ainda mais na última década , famosa por acidentes fatais em campo por problemas cardíacos? Me lembrava até um episódio de House !!!

Muito bem amparado e responsabilizado pelo excelente cardiologista de Curitiba Costantino Costanini e com todos exames cardiológicos mais moderno atualizados dentro dos padrões normais, o jogador se apresentou ao Fluminense. Credenciado por ser um artilheiro nato, tendo feito 34 gols numa única edição em 2004 onde o Atlético-PR foi vice campeão, conversei com meu colega Edilson Thiele do clube rubro-negro de Curitiba, que me disse : ele não fica de fora de jogo por contusão e detesta ficar sem fazer gol. Fica indócil e extremamente infeliz quando isso ocorre. Com a convivência em 2008 pude perceber que as duas informações dadas pelo colega correspondiam 100% a verdade. Com uma grave entorse de tornozelo ocorrida em Edson Passos , sabendo que na época o Dodô estava suspenso e o Somália operado, ele não desfalcou a equipe em nenhum jogo, apesar da severidade da lesão.

Me lembrei então da primeira vez que fiz um jogo com Washington em campo. No entanto, ele defendia o adversário. Uma vitória do Fluminense contra a Ponte Preta no Maracanã por 3 x 2 em 2001 , num jogo decidido na prorrogação. Ao final do jogo, percebi o jogador olhando para a nossa torcida com a admiração que ela merece. Ali percebi que um dia ele ainda seria jogador do Fluminense. No entanto, até 2008, muita coisa aconteceu na vida dele; coisas boas obviamente (inclusive passagem pela Seleção Brasileira), mas principalmente a sua batalha para conseguir continuar a ser um jogador profissional. Lembro que em 2003 ele chegou a ser vetado pelo próprio Atlético-PR para depois de 6 meses em tratamento ser aprovado e voltar a brilhar.

No nosso Fluminense nem preciso dizer a sua importância na Taça Libertadores da América. Algum tricolor consegue esquecer o gol de cabeça aos 46 do segundo tempo contra o São Paulo nas quartas de final? E o gol de falta que nos colocou de volta no jogo contra o Boca na semi? Mais ainda, sofreu um pênalti clamoroso ainda no primeiro tempo contra a LDU não marcado pelo árbitro, situação que poderia nos ter dado o título.

Nesse ano de 2010, onde estamos brigando com muita força pelo título tão desejado, vejo um Washington brigando, lutando e mesmo angustiado pelo momento sem os gols, participando ativamente de lances capitais como por exemplo o último gol nosso no campeonato. Seu sorriso no fim do jogo, se mostrando contente com o resultado, as chances pelo título e a homenagem dos companheiros mostra um pouco dessa personalidade marcante e positiva dele.

Se formos campeões - e tenho muita confiança que seremos - Washington terá sido um jogador fundamental. Acho que somente os profissionais da area da saúde sabem o significado de ser um jogador com 3 stents no coração, usando insulina de dois tipos e um anti-agregante plaquetário, logicamente mais predisposto a sangramentos. Sei que essa admiração é compartilhada com boa parte da torcida. Essa semana numa conversa com uma jovem e apaixonada torcedora do Fluminense chamada Wannessa Pereira, a mesma me confidenciou que prepara um documentário sobre o jogador tal a sua admiração e carinho pelo nosso jogador.

Retorno ao ano de 2001 , vejo quase 10 anos atrás aquele jogador da Ponte Preta que apavorava a nossa defesa e transporto ele com a camisa tricolor, a mais linda que existe e só tenho uma coisa a dizer: Washington, obrigado por você ter vestido a camisa do Fluminense na sua carreira. Obrigado por você ter ensinado aos atletas do futebol que é possível vencer situações adversa de muita gravidade. Tive muito orgulho de ter trabalhado com você e digo.

Palmas para um vencedor !!

Boa sorte e Rumo ao Título de 2010!

Obs: todas as informações de cunho médico foram autorizadas pelo jogador.


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